SBDV

Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária

Primeira sociedade latinoamericana de dermatologia veterinária*


Fundação 16 de março de 2000

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Caso 5

Identificação

Animal de nome Mel, Dachshund, Fêmea de 4 anos de idade.

O animal veio encaminhado pelo Dr. Antonio, com histórico de alguns pontos de alopecia, em região de abdome lateral, tendo realizado EPRC, com resultado negativo. Posteriormente, foi levado a outro colega para tratamento de uma suposta Dermatofitose, mas o quadro clínico já estava em evolução, levando a total alopecia do corpo e o surgimento de algumas úlceras.

Quando chegou em minha clínica, o animal já estava alopécico por completo, como podem observar nas fotos, apresentando nódulos íntegros e por vezes em goma, ulcerados e recobertos por uma crosta hemorrágica, cujo tamanho variava de 0,2 cm a 2 cm de diâmetro. Pudemos observar úlceras até na base lingual.

A proprietária nega prurido, refere normorexia, normoquesia e urina normal. Ela nega o uso de ectoparasiticidas e não refere nenhuma intercorrência anterior. Foi marcado para o dia posterior coleta de material em vários locais, retirando úlceras e nódulos inteiros e lesões de transição para tentar fechar o diagnóstico com o Histopatológico.

Exame Físico:









O diagnóstico desta charada é Mastocitoma e, apesar de ser uma neoplasia cuja nomenclatura termina em “oma”, não tem nada de benigno em seu comportamento.

O Mastocitoma é originário de células mesenquimais indiferenciadas no tecido conjuntivo, apesar do mastócito vir da medula e localizar-se na interface do tecido conjuntivo peri-vascular de vários tecidos,.

Os mastócitos são células grandes, arredondadas a ovalóides, com o núcleo em mesmo formato, cujo citoplasma é repleto de grânulos densos, facilmente corados com o Azul de Toluidina. Estes grânulos são repletos de mediadores químicos, vasoativos e inflamatórios, como Histamina, Prostaglandina, Fator quimiotático de Neutrófilos e fatores de coagulação, além de enzimas (triptase e quinase), proteoglicanos, tromboxanos e outros.

Na dermatologia humana, os mastocitomas estão enquadrados no grupo das Mastocitoses que compreendem quadros clínicos incomuns, que acometem crianças e adultos e são caracterizados por um acúmulo anormal de mastócitos no tecido. Existem formas cutâneas e sistêmicas, ficando a nomenclatura Mastocitoma indicada para as formas nodulares isoladas, geralmente únicas, presentes ao nascimento ou surgidos na primeira infância, mais comumente presentes na região de pescoço, tronco e membros superiores.

A classificação das Mastocitoses sempre muda e foi motivo de muitas reuniões, atualmente em medicina humana, ela é classificada, segunda a OMS, da seguinte maneira:

1. Mastocitose cutânea:

a. Urticária Pigmentosa: é a mais comum. Acomete crianças, tem evolução benigna e desaparece em 70% dos casos até a puberdade. Tem distribuíção em tronco e membros, pode apresentar vesículas e bolhas sobre a lesão e, eventualmente, tem comprometimento sistêmico.

b. Mastocitose Solitária: semelhante a urticária pigmentosa, as lesões estão presentes desde o nascimento ou surgem nos primeiros meses de vida. Raramente surgirão após os 2 meses de idade e o prognóstico é bom com involução espontânea nos primeiros anos da infância.

c. Telangiectasia Macular Eruptiva Persistente: rara, mais comum em adolecentes e adultos. Apresenta-se com máculas hiperpigmentadas, telangiectásicas e eritema no tronco e extremidades. O Sinal de Darier* e dermografismo** são evidentes e a resposta urticariforme é relativamente escassa. As vezes, apresenta lesões ósseas e úlcera péptica. O prognóstico já não é tão favorável, pois é mais persistente e resistente ao tratamento.

d. Mastocitose Cutânea Difusa ou Eritrodérmica: é a mais rara. Há infiltração difusa de toda a pele, que se torna espessada, pastosa, liquenificada, com acentuação das pregas normais e repletas de pápulas eritematosas. Sinal de Darier e dermografismo são evidentes e em crianças, geralmente, há comprometimento sistêmico.

As formas cutâneas, quando acompanhadas de comprometimento sistêmico, podem acometer qualquer órgão. Mais comumente atinge ossos levando à osteólise, dor e fraturas patológicas, baço, fígado e trato gastrointestinal causando gastrite e úlceras. O prognóstico é reservado, apesar de ter um curso benigno na maioria das vezes, pois alguns podem evoluir para linfomas e leucemias mastocitárias e estão sujeitos à crises agudas pela liberação de histamina em grandes quantidades, com uma séria de alterações.

2. Mastocitose Sistêmica sem DHNMA (Doença Hematológica não-mastocitica associada): é caracterizada pelo mastocitose, com um aumento patológico de mastócitos em outros tecidos que não o cutâneo. Mais freqüente em adolescentes e adultos, tem manifestações sistêmicas inespecíficas como astenia, anorexia e perda de peso, mas tem também manifestações específicas relacionadas com a liberação de mediadores mastocitários, como cefaléia, diarréia e crises de flushing***. Dentre os orgãos extracutâneos, os mais afetados são ossos – 70%, fígado e baço – 50%, mas todos os orgãos abdominais estão sujeitos a sofrerem o infiltrado mastocitário.

3. Mastocitose Sistêmica com DHNMA: é muita rara e tem a associação com neoplasias hematológicas, sendo subdivididas em:

a. Síndrome mieloproliferativa
b. Síndrome mielodisplásica
c. Leucemia mieloide aguda
d. Linfoma não- Hodgkin

4. Mastocitose Sistêmica Agressiva: é quando temos a transformação maligna dos mastócitos, sendo rara e sem uma incidência bem estabelecida. Geralmente ocorre com infiltrado da medula, mas pode ter o acometimento de qualquer órgão. Pode ser subdividida em:

A. Leucemia mastocítica
B. Sarcoma mastocitário
C. Mastocitoma extra-cutâneo

Recentemente, a proposta de classificação das Mastocitoses na Dermatologia Humana leva em consideração a totalidade de suas manifestações:

- Formas Indolentes: com manifestações sincopais, manifestações cutâneas puras, úlcera péptica, síndrome de má absorção, doença óssea isolada, hepatoesplenomegalia e linfadenopatia.

- Formas com alterações Hematológicas: mieloproliferativas e mielodisplásicas.

- Doença Agressiva: com linfadenopatia mastocitária com eosinofilia.

- Leucemia Mastocitária.

A classificação veterinária se dá de uma maneira bem mais simples, talvez, por este motivo, ainda é muito discutida. Entre as neoplasias de células redondas, um diagnóstico inicial pode ser facilmente realizado através da citologia, mas as graduações são um pouco mais complexas. Para tal; é importante o exame histopatológico e a Imunohistoquimica com os marcadores tumorais responsáveis pela graduação, tendo em vista que as diferenciações celulares são variadas e geram muita controvérsia para se rotular o Mastocitomas em Grau I, II e III.

Na citologia aspirativa, observamos as células redondas pequenas ou médias, com grânulos metacromáticos, que não se coram tão bem com os corantes rápidos como Diff-quick e Panótico. A coloração pode ser melhorada deixando a lamina mais tempo no fixador. Entretanto, tais grânulos tornam muito evidentes com os métodos de coloração de Wrigth, Giemsa e Rosenfeld. Há ainda um infiltrado de eosinófilos importante.

De grande importância é realizar a citologia aspirativa dos linfonodos regionais e, se possível; do baço e do fígado, guiados por ultra-som, pois ajudarão no estagiamento clínico da doença, sendo a punção medular indicada por ser mais específica, quando há disseminação teremos 10 mastócitos entre 100 células, sendo que o normal seria de 0 a 1.

Com o histopatológico o método mais utilizado de graduação é o de Patnaik et al. (1984) e se dará em:

- Grau I, Baixo Grau ou Bem Diferenciada: tumores de crescimento lento, restritos à derme superficial, com aspecto monomórfico, bem diferenciado, raras ou nenhuma mitose, células semelhantes aos mastócitos normais; citoplasma basofílico, abundante e repleto de grânulos, núcleo pequeno, redondo ou oval, com cromatina agregada.

- Grau II, Grau Intermediário ou Moderadamente Diferenciada: tumores de crescimento rápido, invadem a derme superficial, profunda e tecido subcutâneo. Existe pleomorfismo moderado, anisocitose, anisocariose, mitoses evidentes, células maiores, redondas ou ovais, citoplasma menos basofilico e com menor quantidade de grânulos, núcleo maior e com cromatina menos densa.

- Grau III, Alto Grau, Indiferenciado ou Anaplásico; Indiferenciado: tumores de crescimento rápido, invadem a derme superficial, profunda e tecido subcutâneo, pleomorfismo acentuado, células grandes, núcleo excêntrico ou multinucleados, indentado, com cromatina frouxa, citoplasma eosinofílico, poucos grânulos visualizados e somente com corantes metacromáticos Azul de Toluidina ou Giemsa.

Com a graduação tentamos chegar mais próximo possível ao prognóstico, pois ele indica o comportamento tumoral e indiretamente a sobrevida do animal. As classificações com Imunohistoquimica estão em estudos usando os marcadores com p53, P-selectina, Ki 67, PCNA, metaloproteínas e outros. Todos Mastocitomas, em cães e gatos, são positivos para Vimentina e a grande maioria é positiva também para Alfa 1-antitripsina, mas, quando positivos para o marcador C-Kit, o prognóstico sempre é mais reservado.

Através da presença e quantificação destes marcadores, espera-se uma maior fidelidade nas graduações, bem como os seus prognósticos, pois muitos marcadores são mais ou menos presentes em neoplasias, conforme a malignidade deles.

Todavia, estas classificações geram muita discussão entre os próprios patologistas, sendo que as mesmas formações acabam ganhando estagiamentos diferentes.

Outra forma de classificação é a clínica que leva em consideração o número de nódulos e o acometimento ou não de linfonodos regionais e/ou distantes. São quatro estágios com suas subdivisões de acordo com a presença ou não de acometimentos sistêmicos, também conhecido como Estagiamento Clinico TNM.

Estágio 0: um tumor, removido por completo com margens livres e sem acometimento de linfonodos.

Estágio 0a: sem acometimentos sistêmicos

Estágio 0b: com acometimentos sistêmicos

Estágio 1: um tumor apenas invadindo a derme, sem acometimento de linfonodos.

Estágio 1a: sem acometimentos sistêmicos
Estágio 1b: com acometimentos sistêmicos

Estágio 2: um tumor apenas invadindo a derme, com apenas o linfonodo regional acometido.

Estágio 2a: sem acometimentos sistêmicos
Estágio 2b: com acometimentos sistêmicos

Estágio 3: múltiplos tumores cutâneos na derme, grandes e infiltrados com ou sem acometimento de linfonodos regionais.

Estágio 3a: sem acometimentos sistêmicos
Estágio 3b: com acometimentos sistêmicos

Estágio 4: tumores com metástases distantes e acometimento sanguíneo e da medula óssea.

Nos animais o Mastocitoma tem comportamento diferente da neoplasia em humanos, também chamado de o grande imitador. Devido a sua apresentação nas mais variadas formas é a neoplasia cutânea mais freqüente em cães, correspondendo entre 16% e 21% e a segunda mais freqüente em gatos. Pode ocorrer em qualquer tecido na forma visceral ou na forma sistêmica, referidas como Mastocitose disseminada, acometendo até a medula óssea, neste caso encontramos células neoplásicas na circulação sanguínea. As diferenças entre os casos caninos e felinos são muitas e falaremos brevemente sobre ambos.

Acomete qualquer faixa etária, tendo uma maior freqüência próximo dos 9 anos. As raças caninas predispostas são Boxer, Sharpei, Labrador. Boston Terrier, Buldogue e Pitbull, e entre os felinos o Siamês é o mais acometido, sem predileção sexual.

Quando realizamos a citologia para diagnóstico podemos eventualmente observar o Sinal de Darier de forma similar aos humanos. A avaliação dos linfonodos regionais é importante, tendo em vista que a via metastática mais comum é a via linfática. Vale ressaltar que, o cito-diagnóstico jamais substitui o histopatológico de toda a peça removida, pois este irá apresentar maiores informações sobre margens de segurança e graduação da neoplasia.

Comumente os animais acometidos por esta neoplasia vão apresentar a Síndrome Para-neoplásica. Esta pode levar a úlceras gastro-intestinais, retardo na cicatrização, choque hipotensivo, úlcera e edema local e desordens de coagulação. Estes sintomas, associados à presença de nódulos e formações, levam-nos a um maior motivo de preocupação e suspeita diagnóstica de até mesmo uma Mastocitose, nome dado à forma visceral.

Dentre as formas viscerais a mais comum é a esplênica, sendo a esplenectomia uma boa medida terapêutica, entretanto se houver acometimento intestinal será de prognóstico reservado.

Outras formas, cujo prognóstico se torna mais reservado, têm relação a localização. São os casos de neoplasias localizadas no leito ungueal, no prepúcio, no períneo, na região inguinal, na região escrotal e em regiões muco-cutâneas.

Dentre os gatos o prognóstico de modo geral é melhor, responsável por 20% das neoplasias cutâneas, acometendo gatos entre 8 e 9 anos de idade em média, mais comumente na região cefálica, tronco e membros.

Temos duas formas de Mastocitoma Cutâneo Felino. A Mastocítica, similar ao Canino, que pode ser subdividida em Compacta, cujo comportamento é menos agressivo e a Difusa, mais anaplásica histologicamente, por conseqüência mais maligna. A outra forma de Mastocitoma Cutâneo é o Histiocítico que acomete animais mais jovens. A raça Siamês não parece ser predisposta.

A forma visceral é mais freqüente em gatos do que em cães, chegando a ser responsável por 50% dos casos. O envolvimento esplênico nestes é mais comum e é referido como Mastocitoma Linforeticular, mas outros órgãos como o intestino e fígado também podem ser acometidos. Estes animais têm maiores riscos de disseminação e de metástase. Ocorrem casos de Mastocitose periférica e de efusão pleural e abdominal, onde a citologia do líquido revela um grande número de mastocitos e de eosinófilos. Além disso, 30% destes animais terão acometimento da medula óssea, sendo indicada sempre a avaliação desta também por meios da citologia aspirativa.

Histologicamente a forma histiocítica tem relativamente poucos mastócitos (aproximadamente 20%), e será envolta por histiócitos, células linfóides e eosinófilos, sendo freqüente o equívoco de se diagnosticar estas formações como Paniculite Nodular Granulomatosa e Piodermite profunda. Esta forma pode até regredir espontaneamente após 4 a 24 meses.

As possibilidades terapêuticas são várias, desde remoções cirúrgicas com amplas margens e excisão do linfonodo regional, até outros tratamentos menos eficazes, mas que podem contribuir com o prognóstico mais favorável. Estes incluem a radioterapia, quando possível, eltroquimioterapia, terapia fotodinâmica, mais utilizada na medicina humana, a criocirurgia, que nem sempre é recomendada por favorecer a liberação de histamina, e outros fatores de degranulação dos mastócitos.

Dentre as formas medicamentosas temos os glicocorticóides, imunoterápicos e quimioterápicos, sendo os mais recomendados Vimblastina, Ciclofosfamida, Vincristina, Lomustina e Hidroxiureia, isolados, ou, na maioria das vezes, associados.

Bibliografia complementar recomendada:

London, C. A. & Seguin, B., Mast cell tumors in the dog; The Veterinary Clinics Small Animal Practins, v.33, p473-479, 2003.

Patnaik, A.K., Et Al., Canine cutaneous mast cell tumor: morphologic grading and survival time in 83 dogs; Veterinary Pathology, v. 21, p469-474, 1984.

Sampaio, S. P. ; Rivitti, E. A.; Dermatologia, 2ª ed. Revisada, 2001.

Rocha, T. M.; Farias, M. R.; Mastocitoma em cães – revisão; Clinica Veterinária, n.52, p56-64, 2004.

* Sinal de Darier é patognomônico das Mastocitoses humanas, consiste em uma liberação de histamina dos mastócitos quando é friccionado levando a lesão a um aspecto urticado. Isso também pode ser observado em alguns cães e gatos, mas nestas espécies não é patognomônico.

** Dermografismo - distúrbio da pele que se torna inchada e inflamada quando picada ou arranhada por um objeto rombo. Ocorre pela liberação de histamina por parte dos mastócitos, sem a presença de um antígeno

*** Flushing descreve ataques episódicos de eritema da pele, juntamente com uma sensação de calor da face, pescoço e, menos freqüentemente o tronco e abdômen.

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